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Fundador da Associação Vencer fala dos 25 anos da instituição que investe em alunos da rede pública para que passem no vestibular
Em 1992, Diniz Ferreira Baptista perguntou à sua secretária, Dilma Suero, que estava para se aposentar, se ela toparia embarcar com ele na empreitada de criar uma associação que ajudasse jovens da rede pública de ensino a passar no vestibular. Ela aceitou. Era a concretização de uma promessa que ele havia feito a si mesmo anos antes, caso algum dia ganhasse dinheiro.
– Eu trabalhei em bancos e via as dificuldades de funcionários sem diploma em ascender na carreira – diz ele, fundador do Banco Modal.
Nos primeiros dez anos, a associação funcionou no apartamento de Dilma, no Estácio. Até crescer e se mudar para um escritório no Centro. Sábado que vem, às 14h, a Casa da Espanha, no Humaitá, sedia a festa dos 25 anos da Associação Vencer, que pega os melhores alunos do 9º ano do ensino fundamental, selecionados por professores e diretores de escolas municipais, e dá bolsas de estudo integrais para eles durante todo o ensino médio em colégios particulares com alto índice de aprovação no Enem. Também fornece livros didáticos, uniformes, transporte, aulas de reforço, atendimento pedagógico e psicológico para alunos e responsáveis, orientação profissional e mentoria com profissionais do mercado.
– Eles ganham autoestima, confiança e maturidade.
A primeira escola a acreditar no projeto, à época, foi a Laudimia Trotta, na Tijuca. Hoje, são 70 colégios municipais parceiros. Ao longo dos anos, já passaram pela associação, que tem Ana Moreira como diretora executiva, 623 bolsistas. Até hoje 289 alunos já foram aprovados no vestibular. Ano retrasado, o índice de aprovação foi de 100%. Na primeira etapa do vestibular da Uerj de 2018, dos atuais 35 bolsistas da 3ª série nada menos que 20 tiveram conceito A, 11 receberam B e apenas 4 foram C.
Por que preparar para o vestibular?
O vestibular é a primeira porta que se abre para eles. Quando passam, nada pode pará-los. Se eles se esforçarem, vão ter um futuro brilhante. Mário, professor de Ciências da escola municipal José do Patrocínio, me disse uma vez: “Estou cansado de ver meus bons alunos virarem empacotadores de supermercado.” Pois nós abrimos uma janela, damos a chance de eles terem outras opções. O que me move é ver esses garotos e garotas, muitos deles moradores de favelas, conseguirem superar as dificuldades. No fim do ano, fico doido para saber quantos passaram no vestibular. Muitas vezes eles são as primeiras pessoas da família a ir para a faculdade. Isso muda tudo, eles vira um exemplo na família, uma referência na comunidade.
Como foi o começo?
Era muito difícil as escolas e os pais acreditarem no projeto. A Dilma ouvia: “Mas por que você quer pagar os estudos do meu filho? Qual o seu interesse?” Tinha colégio que nem a deixava entrar, achando que era golpe. Havia pais que pensavam que teriam que pagar depois, mesmo que o contrato dissesse que não, que o aluno teria apenas que se esforçar e estudar. Começamos com apenas cinco alunos. Mas, aos poucos, os resultados vieram e as desconfianças acabaram. Hoje, tem garoto que ainda está no 5º ano e já fala que está estudando porque quer ir para a associação. Ano passado, dos 45 bolsistas nossos que tentaram o vestibular 44 deles passaram, e um aguarda reclassificação. E eles foram aprovados em 89 cursos de universidades governamentais, porque teve gente como a Claudia que passou para Biologia na UFRJ, na Uerj e na PUC (com bolsa integral da própria universidade). Ou a Tamara, que passou para Direito na Uerj e na PUC (Prouni). Ou ainda o Luan, que passou para Biotecnologia na UFRJ, Biologia na Uerj e Engenharia de Materiais e Nanotecnologia na PUC (Prouni).
Muitos alunos que ganham bolsa da Vencer acabam deixando a associação, não?
A gente de fato é muito exigente com relação a desempenho, assiduidade e envolvimento porque eu tenho que ser leal com quem realmente rala. Quando o aluno entra na associação, dizemos: “Vamos pagar tudo de que você precisa. Você não tem desculpa para não estudar. Você só tem essa obrigação.” Também falamos que estão ali por mérito deles: “Vocês não devem nada a ninguém. Tudo depende de vocês. Podem sonhar o que quiser que vão conseguir.” Ao mudar para uma escola particular, eles enfrentam uma realidade muito diferente, mas não ficam sem assistência. São acolhidos e monitorados por nós em suas dificuldades, tanto no lado pedagógico como psicológico. E a família é chamada para participar.
Qual o retorno que você tem dos bolsistas?
Eles dizem que, além das matérias, aprendem respeito, disciplina, comprometimento, determinação, dedicação, responsabilidade, humildade. Rômulo, que fez Engenharia Química na UFF, fala: “A associação nos mostra que não importa de onde viemos e sim para aonde queremos ir.” Já Amanda, que passou para Engenharia Mecânica (UFRJ, Uerj, Cefet, UFF) e Estatística (UniRio, primeiro lugar), diz: “A Vencer dá o anzol, mas quem pesca é você. Para a associação não somos apenas estatísticas e números, somos pessoas completas.” Ana Carolina, que fez Jornalismo na PUC, conta: “Para alguns, terminar o ensino médio, ir para a faculdade e entrar no mercado de trabalho pode ser a ordem natural das coisas. Mas para muitos, como eu, é uma conquista que depende não só da nossa dedicação, mas também de oportunidades. É isso que a Vencer proporciona, pedindo em troca apenas que ela não seja desperdiçada.” Rayane, que cursa Medicina na Souza Marques, diz que eles não ganham só uma bolsa, ganham uma segunda família, que além de cobrar as notas se importa com o bem-estar emocional e acredita neles quando eles mesmos não acreditam. Felipe, um ex-bolsista que dá aulas de reforço na associação, fala: “Fico emocionado cada vez que entro na sede e me vejo alguns anos atrás, cheio de medos e incertezas, mas lutando a aproveitando a chance da minha vida.” Ele se formou em Geografia na UFF, fez mestrado em Geologia na UFRJ e MBA na FGV, e trabalha como gestor de geoprocessamento. É incrível o que esses jovens conseguem quando têm uma oportunidade.
Fonte: O Globo – Domingo 30/07/2017
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